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segunda-feira, 4 de abril de 2011

Índios urbanos

A população indígena brasileira sempre ficou esquecida nas estatísticas oficiais. Em 1991, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) realizou um censo que, pela primeira vez, contou com uma classificação específica para os índios, no quesito cor do questionário da amostra. Apesar dessa iniciativa inovadora, só foram recenseadas as populações indígenas que habitavam áreas assistidas pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio) ou por missões religiosas, o que, portanto, acabou deixando de fora um contingente de índios que habitavam os centros urbanos.
Apesar do Estado do Tocantins possuir representantes de diversas etnias indígenas distribuídas em diferentes áreas, ainda são escassos os trabalhos demográficos avaliando o tamanho e a dinâmica das populações e as condições de vida desses grupos, especialmente daqueles que habitam as cidades.
Recentemente, Fiscais Ambientais do NATURATINS (Instituto Natureza do Tocantins) realizaram um levantamento das etnias presentes em Gurupi. Eles quantificaram o número de índios que vivem na área urbana e verificaram também quais as causas da migração para a cidade.
Esse trabalho foi realizado, entre junho e agosto de 2006, através de consultas ao Departamento de Assistência Indígena da Administração Regional da FUNAI e de entrevistas abertas realizadas nas residências dos próprios índios. Informações adicionais foram obtidas com a Equipe Local do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e em revistas especializadas e trabalhos acadêmicos.
Em Gurupi, foi identificada a presença de integrantes de 07 (sete) etnias, que são a saber: Karajá e Xerente (provenientes de aldeias do Estado do Tocantins), Pankararu (Pernambuco), Tuxá (Bahia), Apurinã (Amazonas), Makuxi (Roraima) e do grupo ressurgente Krahô-Kanela (Tocantins).
Cerca de 100 integrantes dos 115 índios Krahô-Kanela que ocupavam a “Casa do Índio” até meados de julho de 2006 estão atualmente no município de Lagoa da Confusão, na “Terra Mata Alagada” – local que tem sido pleiteado por eles a mais de 29 anos. Eles aguardam o repasse da indenização do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) ao proprietário da terra, para que, dessa forma, possam ocupar aquele lugar definitivamente. Os poucos índios Krahô-Kanela que permaneceram em Gurupi, ainda residem na “Casa do Índio”, recebendo assistência contínua da FUNAI e FUNASA (Fundação Nacional de Saúde), mas, segundo suas expectativas, eles se juntarão em breve aos demais que estão na “Terra Mata Alagada”.
Para as outras 06 (seis) etnias encontradas em Gurupi, existe um total de 20 famílias com 72 índios, distribuídos da seguinte forma: 01 família Karajá com 03 indivíduos, 06 famílias Xerente com 20 indivíduos, 08 famílias Pankararu com 30 indivíduos, 03 famílias Tuxá com 09 indivíduos, 01 família Apurinã com 07 indivíduos e 01 família Makuxi com 03 indivíduos.
A presença de índios em áreas urbanas não ocorre somente em Gurupi. Esse fenômeno está presente em vários locais do Brasil, como por exemplo em São Gabriel da Cachoeira, que tem cerca de 10.000 indígenas do alto e médio rio Negro (Amazonas), em Canarana (Mato Grosso), onde moram 45 índios do Parque do Xingu, e na região metropolitana de São Paulo, onde residem cerca de 60.000 índios das etnias Pankararu, Pankararé, Fulni-ô, Terena, Kaingang, Kariri-Xocó, Atikum e Potiguara, entre outras.
Aqui no Tocantins existem várias outras cidades que abrigam índios de diferentes etnias. Entre tais, podemos citar a presença dos Javaé e Karajá em Formoso do Araguaia, os Xerente em Tocantínia, os Apinajé e os Karajá-Xambioá em Araguaína, além também de uma significativa presença de indígenas Xerente e Krahô em Palmas.
Nesse trabalho, foi verificado que 03 são os motivos que levam os índios a migrarem para Gurupi: (i) desejo de ingressar em escolas de ensino médio e cursos universitários, (ii) procura por trabalho e (iii) busca por assistência médico-hospitalar. Em alguns casos, tem-se verificado que há mais de um motivo motivando a migração.
Segundo o CIMI, existem vários casos de povos indígenas que, mesmo com suas terras demarcadas e sem ocorrências de invasões, não vislumbram perspectivas de continuar vivendo em suas áreas, especialmente devido à falta de assistência por parte do órgão indigenista. O atendimento à saúde é extremamente deficiente, as escolas deixam a desejar e as atividades econômicas não garantem condições dignas de vida.
Nos grupos familiares avaliados, não foi observado nenhuma perspectiva quanto ao seu retorno às suas comunidades, mas deve-se considerar que os indivíduos oriundos de aldeias do próprio Tocantins (Karajá e Xerente), mantêm um constante contato com integrantes de suas etnias quando estes se deslocam para Gurupi ou quando eles mesmos realizam visitas às suas aldeias de origem.
De modo geral, os integrantes das 07 (sete) etnias consultadas informam que, quando necessitam, têm recebido assistência satisfatória da FUNAI e FUNASA. Isso é algo curioso, pois contrasta com a realidade de outros centros urbanos de outros Estados, onde, muitas vezes, aos índios são negados alguns direitos.
Conforme informações repassadas pela FUNAI, o pequeno contingente de índios em Gurupi (72 pessoas) é um fator positivo no que se refere à possibilidade de assistência por parte do órgão indigenista, pois, talvez, se houvesse um grande número de indígenas que dependesse desse auxílio, essa situação poderia ser bastante diferente, considerando que os recursos disponíveis são limitados.
Um outro aspecto importante verificado nesse trabalho trata-se da necessidade de realização de um diagnóstico para que as diversas instituições afins possam saber exatamente quais as condições de vida desses índios, em relação aos demais integrantes de nossa sociedade. Isso, especialmente no que se refere ao acesso à educação, ao mercado de trabalho e as condições de saúde – fatores que tem motivado sua migração para as áreas urbanas.
Devemos lembrar que a Constituição Brasileira prevê direitos aos índios, quer eles estejam nas aldeias, quer estejam nas cidades. E cada um de nós deve entender e respeitar isso.

Publicado no Jornal Atitude, edição n. 12, p. 02, de 13/09/2007. Gurupi – Estado do Tocantins.
http://www.atitudetocantins.com.br

Giovanni Salera Júnior é Mestre em Ciências do Ambiente e Especialista em Direito Ambiental.
E-mail: salerajunior@yahoo.com.br
Giovanni Salera Júnior
Publicado no Recanto das Letras em 28/11/2006
Código do texto: T304241

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